terça-feira, janeiro 17, 2006

Olhou pela janela e viu um lindo dia de sol. Tudo verde e céu azul. A brisa que se fazia sentir parecia mais quente, tal era a força do sol nesse lindo dia de Inverno.

Respirou fundo, como fazia sempre que se sentia assim: em sintonia com o que a rodeava. Olhou para o lado, e sobre o seu ombro coberto pelos seus cabelos rebeldes, viu a chave para uma tarde perfeita. Viu a chave do seu carro.

Olhou novamente para a rua, como se precisasse de um incentivo para sair e se perder. Não precisava. Era como um ritual, como se tivesse de pedir autorização à erva, ao vento e ao pardal para sair e partilhar um pouco da harmonia e da paz que enchiam o seu jardim.

Assim que entrou no carro, sentiu os seus músculos descontrair. Até mesmo os teimosos trapézios que teimavam manter-se contraídos, provavelmente até durante o sono. Ouviu o motor, e desta vez, decidiu não ligar o rádio. Abriu as 2 janelas, e arrancou.

Não tinha pensado previamente sobre o destino da sua viagem, mas não precisava. O seu destino era sempre o mesmo: o pinhal, a beira mar.

Assim que entrou na velha estrada do pinhal quis fechar os olhos. Não o podia fazer, mas a satisfação do momento vinha apenas do facto da sua alma o ter feito. A velha estrada estava em más condições, cheia de buracos perigosos, mas isso não a deteve. Seguiu, com calma e satisfação, até que um cheiro familiar lhe abraçou a face, o corpo, o carro. Sorriu. O cheiro a eucalipto que a envolvia fê-la abrandar o carro, sentar-se quieta e então fechar os olhos. Respirou fundo. Se alguém passasse não iria entender o porquê de ter parado. Não era a zona mais bonita do pinhal, mas o cheiro era embriagante.

Abriu os olhos lentamente e seguiu caminho com um sorriso nos lábios. Nestas alturas, sentia sempre pena de não ter a música ideal para acompanhar aqueles momentos tão especiais, tão seus.

As árvores contorcidas denunciavam a proximidade do destino. Passou pela vila e parou em frente ao mar. Gostava de se sentar no pequeno muro de pedra sobre os penhascos e sentir o vento forte e salgado na cara.

Hoje não havia pescadores nem surfistas. Não havia sequer cães a correr na praia. Teve pena mas mesmo assim sentou-se no seu lugar de sempre.

O frio não a deteve, manteve-se sentada quanto tempo o seu nariz aguentou. Não tirava os olhos do mar e da praia. O mar verde e azul estava calmo. Estranhou. Não era normal ver o mar tão calmo no Inverno. Estava habituada a vê-lo revolto e branco. Talvez ele reflectisse um pouco o que se passava dentro de si. Sim... Hoje vinha mais calma.

Decidiu andar, sempre à beira mar, sobre as tábuas e troncos que se uniam para fazer um caminho longo e claro. Percorria o caminho com alguma lentidão, como que a saborear cada passo, cada pedaço de tábua salgada.

Parou junto ao penhasco. À sua direita, um penhasco alto e escarpas perigosas. À sua esquerda, uma planície de areia, ponteada pelo verde do bálsamo. Riu-se. Não podia deixar de se rir. Quantas vezes ao longo da sua vida tinha dado por si exactamente nesse ponto, nessa tábua entre a planície e o penhasco. Parou e olhou em volta. Respirou fundo e ouviu o mar.

Seria hoje que optaria por uma delas? Pela calma medrosa do penhasco ou pela segurança dolorosa da planície?

Fechou os olhos e sentiu a brisa tocar-lhe na face. Retribuiu com um sorriso, e seguiu em frente...

3 comentários:

Rafael disse...

"Riu-se. Não podia deixar de se rir. Quantas vezes ao longo da sua vida tinha dado por si exactamente nesse ponto, nessa tábua entre a planície e o penhasco."

E de cada vez que lá volta, é como se fosse a primeira vez que pisava as tábuas, a primeira vez que se via rodeada por esse mesmo penhasco e essa mesma planicie.

Os locais que mais nos dizem, são sempre diferentes de cada vez que os visitamos!

Ana disse...

Viajei... fiz a viajem e sorri no final... Acho que é o texto mais bonito que alguma vez escreveste... parabéns!

Ana C. disse...

muito bem taina :) realmente bom! Concordo com a tua mana!! Realmente podemos viajar nas tuas palavras.

um beijo grande e boa sorte nos exames ;)